segunda-feira, 4 de maio de 2009

O LOBISOMEM DO ASFALTO, UMA ANÁLISE DA VIOLENCIA NO TRÂNSITO.

A média de mortes provocadas pelo trânsito brasileiro é como se caíssem, por dia, 15 jatinhos como o de os Mamonas.
O problema é que a gente convive com essa matança sem a comoção causada pela perda dos geniais garotos de Guarulhos. Problema maior é que a gente não apenas convive com a matança, mas colabora com ela. O trânsito, pouco a pouco, vai nos envolvendo e, sem perceber, armamos nosso espírito de raiva, como arma de sobrevivência na selva asfaltada. Na guerra do trânsito, penso que a gente vai se transformando mais ou menos como ocorreu nas Guerras Mundiais. O homem que vai virando lobisomem atrás do volante.
O resultado disso é a loucura diária que é cometida sobre o asfalto, por pacatos burocratas, bons pais-de-família, religiosos praticantes. Viram lobisomens. Matam em média umas 137 pessoas por dia. A maior parte, pedestres protegidos apenas com o tecido de roupa do corpo.
Desde que foi implantado o uso obrigatório do cinto de segurança, o número de mortos por dias não mudou. Mas mudou quem morre. Antes do cinto, morriam os ocupantes dos veículos; hoje, morrem mais pedestres. Resumo da tragédia: sentindo-se mais protegidos pelo cinto, os motoristas, vestidos com uma armadura de uma tonelada de aço, plástico e vidro, aceleram mais e matam os que estão protegidos apenas com a roupa do corpo. No Brasil não há pena de morte para o bandido que mata 10 pessoas; mas, motoristas condenam à morte o pedestre pelo erro ou a ousadia de cortar a trajetória do seu bólido - e ficam impunes. Não nos demos conta que essa é a mais objetiva agressão aos direitos humanos que se pratica no Brasil.
Estou falando em Brasil porque, se você já andou no Primeiro Mundo, sabe que um dos sinais de civilização é o respeito aos direitos humanos no trânsito. O pedestre, por ser o mais fraco, tem mais direitos para compensar a fraqueza física. E o motorista, por um princípio de civilização, por ser o mais forte, é responsável pelo mais fraco. Mas não é só por isso que eles respeitam. Eles respeitam porque as leis são duríssimas. Nos Estados Unidos, cada guarda traz na cintura o bafômetro e as algemas. Se alguém bateu no meio-fio, surge um carro de polícia (acho que eles caem do céu porque estão em toda parte, mas a gente só os vê quando são necessários). O policial aplica o bafômetro e em seguida as algemas, se o teste der positivo.
Como as campanhas educativas têm tido pouco resultado, os legisladores brasileiros optaram pela punição dura. Depois de quase três anos se arrastando no Congresso, pretenderam acelerar o Código de Trânsito Brasileiro - CTB com penas de cadeia e multas dez vezes superiores às que existiam no Código Nacional de Trânsito - CNT. Mas aí, vamos precisar de policia eficiente e de estradas de verdade. Além disso, a unanimidade dos especialistas em trânsito, no Brasil inteiro, reconhece que as auto-escolas ensinam a passar no exame do DETRAN, mas não a dirigir.
Dirigir um carro é mais difícil que pilotar um avião. O avião em que você está voa numa estrada ampla, com poucos veículos a ocupá-la e, além disso, quem vai para o norte voa numa altitude e quem vai para o sul, voa noutra altitude. Já os carros trafegam todos no mesmo nível, em “estradinhas” estreitas, com duplo sentido de circulação, esburacadas e mal sinalizadas. A maioria dos carros são velhos e mesmo os novos ainda carecem de sistema de segurança vitais como o air bag e ABS. Muitos motoristas antiquados ainda descrêem no cinto de segurança e se sentem machos bastante para tomar umas cervejas antes de assumir o volante. Se fossem bons quanto pensam, não seriam os recordistas mundiais de matança no trânsito.
De todas as violências que matam neste País, a mais assina e mais cruel é a do trânsito. É a que mais mata inocentes, é a que mais mata desprotegidos - os pedestres - e é a que mais pode ser combatida porque essa é uma violência que está no meio de nós, motoristas. É uma guerra que enche de sangue o asfalto, de lágrimas os lares e de feridos e mortos os hospitais e cemitérios. E que pode acabar se cada um matar o lobisomem em seu próprio veículo.
E isso só é possível se cada pessoa que conduz um automóvel se conscientizar de sua responsabilidade e do respeito que a vida humana merece. Bom seria que ao invés da necessidade de punição, o trânsito fosse atividade de exercício de cidadania com a adoção de postura civilizada e humana.

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